Crônicas de um país sem sobrenome

Que deselegante!

Eu concordo plenamente quando a Sandra Annenberg, pleno Jornal Hoje ao vivo em rede nacional, vê a colega Monalisa Perrone ser agredida em público e não consegue esboçar quaisquer outras reações que soltar a pérola-título deste post. Ela, Sandra, a pessoa, conservou toda sua elegância com o comentário (fosse comigo, e quem me conhece certamente confirma, seria algo mais parecido com um “que grande FILHO DA P***”), mas nem de longe seu comportamento reflete o que acontece em dias atuais na TV, e por conseguinte, na sociedade brasileira.

Eu trabalho na Globo, mas sou elegante.

Caros: todos que mais ou menos me conhecem sabem que, embora respeite bastante e saiba da importância deles na minha vida, nunca fui dado aos cálculos, encontrar padrões, essas coisas doidas todas. Cada um no seu quadrado, e isso é ótimo. Confesso, porém, tentei encontrar algum padrão comportamental e de etiqueta da televisão e da sociedade brasileira (e se me permite, jogo junto neste caldeirão o mundo pipocante das redes sociais) que fizesse algum sentido. Nem suspeita…

Vamos às evidências, caro amigo, chegue às suas próprias conclusões:

  • Incitar a agressão física e a violência explícita no Programa do Ratinho, por motivos bizarros como testes de DNA: PODE
  • Achar a cena dos estudantes agredidos na USP engraçada: NÃO PODE
  • Achar a cena da agressão à Monalisa Perrone engraçada: PODE
  • Declarar ter achado engraçado qualquer uma das duas cenas anteriores: NÃO PODE
  • Desejar a morte de todos os líderes de torcida ao ver na TV cenas de brigas de torcedores: PODE
  • Criticar os sensacionalistas que tiram o IBOPE de seu programa fazendo exatamente isso: NÃO PODE
  • Botar um bustiê e um shortinho minúsculo em sua filhinha de cinco anos: PODE
  • Fazer uma piada de questionável conotação sexual com um feto: NÃO PODE
  • Deixar soltos todos os políticos já denunciados pelo CQC: PODE
  • Deixar solto o apresentador do CQC, por uma simples piada de mal gosto: NÃO PODE
  • Encher seu Facebook de mensagens moralistas em terceira pessoa (essa pessoa isso, essa pessoa aquilo): PODE
  • Se você for o Rafinha Bastos: NÃO PODE
  • Brincar com o câncer do presidente Lula: PODE
  • Brincar com o câncer do Reynaldo Gianecchini: NÃO PODE
  • Ter uma overdose de remédios com cachaça e ocupar um quarto de UTI por uma simples questão de privacidade: PODE
  • Ser ex-presidente do Brasil, ter convênio médico e, portanto, ter direito a uma acomodação mais bem preparada para seu tratamento: NÃO PODE
  • Criticar o ex-presidente por não usar o SUS: PODE
  • Usar, efetivamente, o SUS antes de criticar quem não o faz: NÃO PODE
  • Abordar por quase um mês em todos os canais a tragédia de um estudante da USP baleado e morto num assalto: PODE
  • Noticiar os dez, vinte assassinatos que ocorrem todos os dias nas ruas da periferia de São Paulo: NÃO PODE
  • Infinitas piadas sobre o sobrepeso de um determinado jogador de futebol antes de sua aposentadoria: PODE
  • Bullying: NÃO PODE
  • Escrever qualquer asneira, esquecendo completamente a tão apregoada imparcialidade jornalística, com o mero intuito de criticar a emissora que ganhou os direitos de transmissão do PAN: PODE
  • Mandar um revigorante “chupa meu grosso e vascularizado cacete” pra essas mesmas pessoas: NÃO PODE
  • Sair de casa completamente nua no carnaval e posar como veio ao mundo para milhares de câmeras: PODE
  • Enxergar / abordar uma mulher com intenção meramente sexual: NÃO PODE
  • Expor anões em situações ridículas, justificadas apenas por sua estatura diferente, em programas de sábado a noite: PODE
  • Preconceito: NÃO PODE
  • Ter 90% das faxineiras de novela como as únicas personagens negras das tramas: PODE
  • Preconceito: NÃO PODE
  • Caricaturar os homossexuais de novela como personagens sempre hilariantes e com pouca profundidade dramática: PODE
  • Preconceito: NÃO PODE 

Bem deselegante, não?

#tenso

Comentários em: "Que deselegante!" (1)

  1. Cara… sabe que essa questão sobre o quê pode/não pode é algo que também me atormenta…
    Creio que jamais conseguirei entender o que leva nossa sociedade à tamanha hipocrisia…

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